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ABAL na Mídia: taxa de carbono europeia pode prejudicar exportações do Brasil

28 de março de 2022

 

Nos próximos meses, a União Europeia vai dar os primeiros passos para a introdução de um inédito mecanismo de ajuste de carbono na fronteira (ou Cbam, na sigla em inglês). O sistema vai tributar mercadorias com base nos gases de efeito estufa emitidos durante a produção, o que pode se tornar um impeditivo para certas exportações brasileiras.

Inicialmente, apenas alguns produtos estarão sujeitos à medida, como alumínio, cimento, fertilizantes, energia elétrica, ferro e aço. A ideia é que, para chegar à UE, eles tenham que pagar o mesmo preço que os produtores do bloco já pagam pelo carbono.

Embora o Brasil não seja um grande negociador desses itens com a Europa, a previsão é de que as exportações sejam impactadas, especialmente as do setor siderúrgico.

Um estudo feito pela Unctad (Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) mostrou que o Brasil é o oitavo país com maior exposição ao Cbam considerando o valor agregado de suas remessas para o bloco europeu.

O produto mais vulnerável é o aço brasileiro, que pode ser submetido a uma taxa de carbono de US$ 3,3 por tonelada, de acordo com os cálculos feitos pela agência. Levando em conta que o Brasil exportou mais de 600 mil toneladas para a União Europeia em 2021, o baque não seria nada desprezível.

O segundo item brasileiro com maior exposição é o alumínio. Nesse caso, o impacto estimado pela Unctad é de US$ 4,4, por tonelada, sendo que, no passado, o Brasil enviou cerca de 43 mil toneladas do produto para o bloco.

Gustavo Pinheiro, coordenador da área de economia de baixo carbono do ICS (Instituto Clima e Sociedade), explica que o objetivo do Cbam não é criar uma sobretaxa, mas, sim, equilibrar a competitividade entre bens importados e domésticos, que já estão sujeitos a uma taxa de carbono na Europa.

“Se a UE não faz isso, o aço chinês –que é feito com energia térmica a carvão e tem uma pegada de gases de efeito estufa muito maior– vai chegar mais barato e roubar o mercado do produtor europeu”, afirma. “O Cbam protege os produtores domésticos de uma competição desleal.”

Pinheiro lembra que o sistema faz parte do plano da União Europeia de reduzir suas emissões em 55% até 2030. O mecanismo seria uma forma de não comprometer esse objetivo climático com um “vazamento de carbono”, que é quando uma empresa realoca sua produção para países menos ambiciosos em termos ambientais.

Apesar de popularmente chamado de taxa, o Cbam não pretende ser exatamente uma tributação, mas um sistema em que o importador deverá comprar certificados para cada tonelada de CO2 embutida no produto importado.

Atualmente, a proposta está no âmbito legislativo da União Europeia, com alguns detalhes ainda sendo discutidos. O relatório deve ser votado em maio.

Segundo o cronograma da Comissão Europeia, uma versão simplificada do Cbam entra em vigor em 2023. Nessa primeira fase, os importadores vão reportar as emissões dos produtos adquiridos, mas sem cobranças. Os tributos começam a incidir a partir de 2026.

Quando estiver funcionando plenamente, o Cbam terá o impacto imediato de encarecer as exportações, mas os efeitos não se reduzem a isso.

Embora a Europa não seja o principal destino do aço e alumínio brasileiros, ela é um mercado sofisticado, que demanda produtos de qualidade. Segundo Pinheiro, deixar de disputá-lo pode fazer com que o Brasil perca a oportunidade de fabricar itens com maior valor agregado.

“Além do impacto de curto prazo, há um efeito macroeconômico muito nefasto de descomplexização da economia do país”, afirma. “A indústria vai ficando menos competitiva, vai se primarizando.”

Cbam é visto como protecionismo europeu Em outubro de 2021, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, escreveu um artigo para esta Folha criticando o Cbam.

No texto, intitulado “desajuste de fronteira”, ele afirma que a União Europeia tenta impor, de forma unilateral, a criação de um mecanismo de cobrança indireta e não transparente, o que pode desencadear controvérsias comerciais induzidas pela pauta ambiental.

Quem também acompanha o tema com preocupação é a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Para Constanza Negri, gerente de comércio exterior da entidade, o temor é em relação ao ônus desproporcional que o mecanismo pode trazer para as exportações do Brasil e de outros países.

Além do aumento dos preços de exportação, ela prevê que o Cbam vai implicar em custos de adequação para empresas e, em alguns casos, até inviabilizar remessas para a Europa.

“[A questão climática] não pode ser desculpa para desenhar um modelo que vai acabar criando uma discriminação entre produtos importados e europeus”, afirma.

Segundo ela, a medida foi apresentada com cunho meramente ambiental, mas os detalhes indicam um interesse mais econômico.

A percepção de que o bloco europeu estaria usando a agenda climática para estabelecer mecanismos protecionistas também é apontada por Cristina Yuan, diretora do Instituto Aço –entidade que representa o setor siderúrgico.

Segundo ela, a crise do clima deve ser enfrentada, mas é preciso identificar quem são os principais emissores. Atualmente, o setor é responsável por 7,9% do total de emissões diretas geradas por combustíveis fósseis, de acordo com a Associação Mundial do Aço.

“Não adianta a siderurgia fazer todo o esforço se os maiores emissores não adotarem ações concretas. O efeito global vai ser ínfimo”, afirma.

Yuan lembra que a UE já estabeleceu restrições ao aço por meio de salvaguardas e medidas antidumping -e a taxa de carbono vai aumentar esses obstáculos.

“O Cbam pode ser um maior impeditivo às exportações de aço para a Europa -e é isso que nos preocupa. A Europa é um mercado importante e sabemos que outros países [Reino Unido, EUA e Canadá] também estão em vias de estabelecer essa taxação. Isso pode trazer uma transformação muito grande no fluxo de comércio internacional.”

Matriz energética renovável pode ser vantagem para o Brasil

A maior contribuição do aço e do alumínio para as mudanças climáticas vem do alto consumo energético na fase de transformação da matéria-prima. Grandes fornos aquecidos com temperaturas superiores a mil graus Celsius geram carbono de forma significativa.

Para Janaina Donas, presidente-executiva da ABAL (Associação Brasileira do Alumínio), o fato de a matriz energética brasileira ser considerada mais limpa é uma vantagem competitiva que o país precisa explorar.

Segundo ela, o alumínio primário brasileiro emite 4,6 vezes menos gases de efeito estufa do que a média global.

“Hoje, a Europa não é nosso principal destino de exportação, mas, entendendo que o Cbam é uma barreira que tem por objetivo privilegiar países e produtos mais sustentáveis, ele pode se configurar uma oportunidade para o Brasil”, afirma.

Cristina Yuan, do Instituto Aço, também acredita que o Brasil tem condições de atender satisfatoriamente às regras do Cbam em função de sua matriz energética.

No caso da siderurgia nacional, ela ainda cita o uso de carvão vegetal nos altos-fornos como um diferencial sustentável -já que as florestas que originam o combustível absorvem carbono da atmosfera.

Segundo Yuan, o setor siderúrgico vem buscando novas formas de reduzir sua intensidade de carbono, seja reaproveitando os gases emitidos ou aumentando o uso de sucata como matéria-prima -o que elimina a etapa com maior pegada climática.

O problema, contudo, é que a principal fonte energética da siderurgia brasileira (70%) continua sendo o carvão mineral.

Modernizar os altos-fornos para abandonar de vez o combustível é um desafio enorme. Em muitos casos, seria necessário fechar fábricas e construir novas que operem por meio de fontes renováveis.

Um estudo da consultoria BCG mostrou que os custos dessa transição são altos, com possibilidade de elevar o preço do aço em 50%. No entanto, o relatório diz que essa é uma das formas mais efetivas de reduzir o carbono no setor -e lembra que o mercado já está cobrando caro por itens poluentes, a exemplo do Cbam.

Mercado de carbono aliviaria impacto do Cbam

Como o objetivo do Cbam é equalizar a competitividade entre bens domésticos e importados, a Comissão Europeia diz que haverá isenção para os produtores que já pagam pelo carbono em seu país de origem.

Possuir um mercado de carbono, portanto, colocaria o Brasil em posição vantajosa, mas o país ainda não regulou um sistema de comércio de emissões.

O que existe hoje é um mercado voluntário, em que empresas negociam créditos por conta própria, como forma de sinalizar suas práticas ESG (ambiental, social e de governança) para investidores e consumidores.

Em agosto de 2021, reportagem da Folha revelou que o governo federal tinha em mãos um estudo detalhando por que é desejável para o Brasil criar um mercado de carbono. Mesmo assim, o projeto não avançou e o país acabou perdendo apoio estratégico do Banco Mundial para implementar o sistema.

No Congresso, a proposta mais avançada em relação ao tema é o projeto de lei 528/2021, do deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), que está pronto para ser votado no plenário da Câmara, em regime de urgência.

Segundo Gustavo Pinheiro, do ICS, o Cbam não só vai impulsionar a transição verde no mercado brasileiro, como já está. Prova disso é o comportamento do setor privado em relação ao mercado de carbono.

“Antes víamos uma resistência grande, e desde que o Cbam foi anunciado, a indústria tem se posicionado não como um bloqueador da agenda, mas como um partícipe colaborativo.”

Constanza Negri, da CNI, diz que a entidade tem trabalhado para que o Brasil consiga dar início a um mercado de emissões o quanto antes.

“Sem dúvida nenhuma, [o mercado de carbono] fará diferença para enfrentar um mecanismo dessa ordem e colocar o Brasil em outro patamar.”

Fonte: Folha de S.Paulo