Artigo: “Choque do gás natural é fator-chave para recuperar a economia nacional”
A ABAL segue atenta às ações do governo que tratam da redução de preço do gás natural no País, vital para o crescimento da indústria brasileira. Neste contexto, compartilhamos abaixo o artigo do superintendente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro – Abividro, Lucien Belmonte, que aborda exatamente o tema no jornal Valor Econômico.
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O choque do gás natural apresentado pelo governo federal é fator-chave para recolocar a indústria brasileira nos trilhos e recuperar a economia nacional. Hoje o custo excessivo do energético limita a competitividade da produção e inviabiliza os tão necessários investimentos nas unidades fabris. Gás competitivo pode acelerar o ritmo de crescimento econômico e promover a urgente retomada do emprego: estudo da FGV Projetos mostra que esse cenário proporcionaria um acréscimo de R$ 155 bilhões no PIB em 2020 e cerca de 800 mil postos de trabalho adicionais no país.
As discussões dos últimos dias comprovam, no entanto, que viabilizar esse processo não é simples. O mito grego da Medusa exemplifica a complexidade do enfrentamento do monopólio da Petrobras: transformada pela deusa Atena em um monstro, ela ficou com serpentes no lugar dos cabelos – os inúmeros ciclos viciosos de práticas anticoncorrenciais em diferentes pontos da
cadeia de gás natural que prejudicam o desenvolvimento do mercado, os consumidores e a economia brasileira. Mais, na história clássica, todos que olhassem para a Medusa eram transformados em estátuas de pedra. Há cerca de 20 anos, a indústria acabou enfeitiçada: seduzida pela qualidade da queima, converteu plantas produtivas que usavam óleo combustível para o gás proveniente da Bolívia. Hoje, esses produtores se veem na condição de “locked in consumers”, amargando preços excessivos e impossibilitados de voltar à condição anterior devido às exigências ambientais relativas a emissões de poluentes.
Não é simples enfrentar o monopólio exercido pela Petrobras no setor. Em primeiro lugar, é preciso considerar as condições de oferta de gás sobre a composição do preço. Hoje, a maioria do gás brasileiro é produzido offshore, dependendo, portanto, de gasodutos de escoamento submarinos para chegar ao mercado. Na prática, a Petrobras produz 67% desse gás, mas comercializa 98% no mercado. A diferença entre os montantes a empresa compra de outros produtores. É que, sem acesso aos gasodutos de escoamento, essas petroleiras preferem se concentrar na produção do óleo.
Essa situação alimenta, por um lado, o desinteresse dos produtores pelo mercado de gás natural, uma vez que o preço permanece pouco atrativo para novos ofertantes. A Petrobras, por sua vez, mantém-se em condição dominante para precificar o insumo, pois também é responsável pela principal alternativa que poderia influenciar seus preços – a importação de gás natural liquefeito
(GNL). Ainda, ciente do seu poder de mercado, atua para intensificá-lo. Por exemplo, a proposta de modificar os padrões de composição do gás, ampliando os limites aceitáveis de etano, sugere uma tentativa de arbitragem de preços do combustível e dos insumos usados na indústria petroquímica.
A adequada regulação do transporte do gás é fundamental para que a atividade seja opção de investimento
A falta de transparência na formação dos preços do gás se repete no caso dos gasodutos de transporte. Independentemente de sua caracterização jurídica (concessões ou autorizações), tal infraestrutura é monopólio natural, uma vez que não é competitivo instalar um duto concorrente num mesmo percurso. Mas, na condição de facilidades essenciais, esses dutos deveriam seguir as
regras relativas à sua condição, passando por revisões tarifárias periódicas com a devida transparência.
Esses processos de revisão teriam inclusive possibilitado o repasse, aos consumidores finais, dos acordos de leniência realizados no âmbito da Operação Lava- Jato. Vale lembrar que, nos cinco anos da Operação concluídos em março último, R$ 2,5 bilhões retornaram aos caixas da empresa, montante que inclui fraudes comprovadas relativas ao Gasoduto Catu-Pilar, terminal de Regaseificação da Bahia e montagem do gasoduto Urucu-Manaus, entre outros. Mas a parcela dos custos do gás natural relativa ao transporte, definida com base no custo total dos gasodutos incluindo os valores da corrupção, não sofreu qualquer alteração, mesmo com a recuperação dos valores ao caixa da empresa.
Aliás, a adequada regulação do transporte do gás é fundamental para que a atividade se transforme numa alternativa de investimento, atraindo recursos para a expansão da malha de gasodutos. Não faz sentido, portanto, no contexto da discussão liberalizante em curso, que se concretizem alternativas como o chamado Dutobras – que acaba de ser aprovado pela Câmara dos
Deputados e prevê que o custo de novos gasodutos seja bancado com 20% dos recursos do Fundo Social, criado com parte dos royalties do pré-sal para finalidades como saúde e educação.
Os defensores da medida alegam que os recursos voltariam ao fundo à medida que os novos gasodutos ficassem cheios: um total contrassenso. Por que não usar o mercado de capitais para financiar esses projetos e sim criar uma dívida com organismo que não tem característica de emprestar dinheiro para projetos de infraestrutura?
Além disso, é preciso cuidado para que as recentes descobertas de gás natural em Sergipe – com potencial de ampliar a oferta nacional em 20 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia – não prejudiquem a análise do cenário. Deve-se aproveitar a situação positiva justamente para garantir melhorias estruturais do setor, de modo que se obtenha um desenvolvimento efetivo do mercado, e não apenas o benefício imediato proporcionado pelos grandes volumes de gás.
Esses princípios em favor do gás competitivo sustentável estão contemplados na reforma apresentada pelo governo. Mas sua efetiva aplicação depende da observação das regras de mercados regulados e do direito da concorrência. Ou seja, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) têm de assumir suas responsabilidades nesse processo, solucionando a parcela que lhes cabe nos diferentes pontos críticos da cadeia.
Diferentemente do mito grego, em que Perseu conseguiu se aproximar sozinho da Medusa para matá-la guiando-se pelos reflexos em seu escudo, esta é uma batalha que depende de mais guerreiros: todos eles têm de estar atentos para o enfrentamento dos efeitos nocivos do monopólio sobre a economia nacional.
Lucien Belmonte é superintendente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro).
Fonte: Valor Econômico
Crédito da imagem: ANP